Carlos Bica

Carlos Bica + Daniel Erdmann + DJ Illvibe

Carlos Bica – contrabaixo

Daniel Erdmann – saxofone tenor

DJ Illvibe – gira-discos

Em “I Am the Escaped One”, Carlos Bica em associação com duas das figuras mais idiossincráticas da cena alemã, o saxofonista Daniel Erdmann e o turntablist DJ Illvibe, a música vai ainda mais longe do que tudo o que fez anteriormente. Daniel Erdmann, uma voz importante na cena jazzística europeia, desenvolveu um som único de saxofone tenor em conjuntos como Das Kapital ou Velvet Revolution, construído sobre a tradição do jazz mas empenhado em encontrar novos caminhos. DJ Illvibe, de seu verdadeiro nome Vincent von Schlippenbach, filho do pianista de free-jazz Alexander von Schlippenbach, traz as sonoridades do hip-hop e da música eletrónica para os domínios da improvisação. Illvibe é um garimpeiro à procura dos mais loucos fragmentos de sons, um DJ maníaco, um consumidor de vinyl, Vincent von Schlippenbach é o DJ Illvibe e o mundo é um disco. Se procura algo diferente e gratificante, encontrou-o. “I Am the Escaped One” é a banda sonora perfeita para o filme que ainda está por fazer.

Press

Carlos Bica é um homem que percebe de trios: tem ouvido para procurar músicos e combinações interessantes. O seu trio Azul (com Frank Möbus e Jim Black), com mais de 20 anos, é um destes felizes arranjos a três que têm um som próprio e são um bom exemplo deste sentido para trios que conseguem, com tão poucos músicos, soar tão diferente. O Azul tem um som, e ter um som é por si só um feito notável num mundo com milhares de trios de contrabaixo, guitarra e bateria. Bica também não é um músico que toca e grava frequentemente em contextos muito diferentes, sendo mais um fundista, que gosta de explorar as múltiplas possibilidades musicais das formações com que laboriosamente vai construindo a sua obra, no sentido clássico do termo.

Ficamos, por isso, em sentido quando nos deparamos com um grupo novo de Bica, e ainda por cima um trio. Desta vez a música sai de um contrabaixo, de um saxofone e de um par de gira-discos. A fórmula é coerente em número com o caminho anterior, mas é em termos sonoros algo de completamente diferente. O saxofone de Daniel Erdman é poupado, tocando apenas o essencial, mas capaz de produzir, com uma fluidez excepcional, melodias atrás de melodias, todas lindíssimas, na melhor tradição wagneriana. Canções magníficas, puras, como só o espírito germânico consegue montar.

Entre as canções e o contrabaixo – que frequentemente opta pelo arco para criar um suporte mais largo – surgem os gira-discos. Illvibe não ocupa o espaço típico da electrónica, entre as texturas, o pontilhismo ou o noise. Neste caso, os gira-discos têm uma presença forte nas músicas e definem de algum modo a sua personalidade ao introduzirem vozes, cantores (quase irreconhecível o “Rolling Stone” (“Catfish Blues”) de Muddy Waters, por exemplo), baterias e “scratching”, construindo uma ideia musical para cada um dos 10 temas do CD e interagindo com o saxofone.

Já falámos da consistência musical de Carlos Bica sob o ponto de vista dos grupos e dos músicos que escolhe pra tocar e de uma ética de trabalho que privilegia a fidelidade e a procura de um caminho musical sólido e coerente. Dele sabemos o que esperar e nunca sabemos o que virá. Também na escolha das companhias que têm editado o seu trabalho encontramos esta ideia de prosseguimento: começámos por ouvi-lo gravado numa série de discos na alemã Enja e a partir de 2007 em quatro gravações para a paredense Clean Feed ,com o Azul e o Matéria Prima. Este novo trio, gravado no seu início num concerto na Culturgest, anuncia uma nova possibilidade na música de Bica, um dos valores mais sólidos e consistentes do jazz nacional.

jazz.pt, Gonçalo Falcão